O "Jogo da Administração" é o que faz o governo de um Estado acontecer. Ficar falando em "Estado" pode atrapalhar o raciocínio — porque o Estado participa do próprio jogo que o cria, e já temos paradoxos demais nesta história. Então, a Administração é o Estado como pessoa jurídica — como "governo": lida com as pessoas deste Estado, e faz as coisas que governos costumam fazer.
Quando falamos em "governo", frequentemente estamos nos referindo a apenas uma parte da Administração. Tudo bem que seja a parte maior e mais aparente, mas há uma divisão importante — outro legado dos iluministas e dos revolucionários.
É a divisão dos poderes do Estado. Tradicionalmente são três: Judiciário, Legislativo, Executivo. Este último é o que geralmente chamamos "governo".
Escrevi "tradicionalmente" porque, na prática, não é bem assim. Conforme a época e o lugar, pode haver menos ou mais deles. Mas não importa se são três, dois, ou dez: o ponto crucial é a divisão de Poder.
Por que crucial? Por causa de uma percepção que temos sobre o exercício singular do Poder. Ela foi expressa de forma cristalina por Lorde Acton, em 1887: "O poder tende a perverter, e o poder absoluto perverte de modo absoluto. Grandes homens quase sempre são homens maus..."
Como a frase é famosa, tenho que acrescentar uma nota para minha tradução. Acton usou o verbo "to corrupt", que geralmente é traduzido como "corromper". Mas ele estava falando em corrupção moral (como a frase seguinte esclarece), e por isso preferi traduzir por "perverter".
Mas esta percepção sobre a conveniência de dividir o Poder é bem mais antiga; Aristóteles já tratava dela. Quando escreveu as Histórias, Políbio referiu-se de forma elogiosa à separação dos poderes na Roma republicana, identificando nela uma das chaves para a sua força.
De forma simplificada, os "três poderes" (ou sei lá quantos sejam) são parcelas, "fatias" do Poder total do Estado. Dividir o Poder é uma tentativa de reduzir as consequências de abuso dele. Ainda que o pessimismo de Lorde Acton tenha sido exagerado, o fato é que existem mesmo pessoas que se pervertem pelo poder (ou talvez já fossem pervertidas antes dele), e assim pervertem o seu uso.
Examinar a separação de poderes com a nossa lente lúdica revela dois aspectos interessantes: um deles é a dinâmica de funcionamento deste jogo, e o outro é a forma de implementar esta separação.
Vamos pegar o exemplo tradicional: a separação em três poderes -- "independentes e harmônicos entre si", como diz a Constituição de 1988.
Temos, então, um jogo com três jogadores, seguindo regras criadas pela Constituição.
O Legislativo cria regras — e, como vimos, pode até mudar a Constituição.
O Executivo usa as regras na prática — lembrando que a Administração somente pode fazer o que é permitido pelas regras.
O Judiciário julga regras e atos. Quando julga as regras criadas pelo Legislativo, diz se estão em conformidade com a Constituição — ou seja, se estão respeitando a hierarquia. Quando julga atos, usa as regras para dizer se um ato é legal ou não.
Aí está um esquema supersimplificado deste jogo. O que a lente lúdica revela sobre a dinâmica entre estes jogadores?
Podemos perceber que este é um jogo competitivo. A bela prescrição de "harmonia", presente no texto constitucional, significa que um jogador não pode ser mais do que o outro — significa que, se um dos poderes resolve se agigantar, os outros dois vão agir para reduzi-lo a sua estatura habitual.
Mas também é um jogo cooperativo! A harmonia também significa que a atuação dos três poderes é conjunta, para atingir os objetivos do Estado. A Constituição de 1988 menciona vários objetivos, como bem-estar, igualdade, fraternidade... e há também alguns que não são determinados por normas formais, como o objetivo de autopreservação.
Há uma tensão entre estas duas dinâmicas, mas vamos explorá-la mais adiante. Por enquanto, vamos tratar do segundo aspecto revelado pela lente lúdica: a maneira pela qual a separação de poderes acontece.